Com a regulamentação das apostas esportivas, o governo Lula tem grandes expectativas quanto a taxação desse mercado. O Ministério da Fazenda projeta arrecadação de R$ 2 a 6$ bilhões já em 2014, e R$ 15 bilhões para os anos seguintes – um cálculo que pode até ser conservador, segundo o ministério.
Em artigo publicado no site Conjur, especializado em análises jurídicas, a especialista em Direito Administrativo no GVM Advogados Anna Florença Anastasia afirma que “pouco se fala sobre algumas condicionantes para a concretização desse volume de recursos e o fato de que a mencionada arrecadação se desenha até o momento apenas como mera expectativa.” Segundo ela, isso se dará porque “um tema que certamente gerará muito debate é a territorialidade das apostas realizadas de forma online por meio de sites e aplicativos de celular e os embates que se estabelecerão entre a União e os estados da federação quanto à exploração deste serviço público.”
A análise afirma que em 2020 o STF decidiu, ao julgar a DPFs nº 492 e 493, em conjunto com a ADI nº 4.986/MT 2020, que os estados da União têm legitimidade para explorar o serviço público de loterias, desde que respeitados os limites da legislação federal sobre o tema. Desde então, os estados têm se preparado para a exploração do serviço, com grande expectativa de arrecadação.
“Acompanhando este movimento, a edição da MP nº 1.182/2023 se prestou a regulamentar a Lei nº 13.756/2018, que até então mantinha a modalidade de apostas de quota fixa em um limbo que não favorecia a nenhum dos agentes envolvidos — a empresa que disponibiliza tal modalidade, o apostador ou, ainda, a administração pública”, escreve a especialista.
Em sua análise, a pretensão da União de licenciar todas as empresas que detenham os requisitos mínimos para operar as apostas esportivas não é tão simples, “já que cada um dos estados e o Distrito Federal poderão explorar tal modalidade de forma concomitante em seu respectivo território”. O Estado brasileiro “poderá emitir autorizações para todas as empresas que se interessem em explorar as apostas esportivas, em todo o território brasileiro, cobrando, a título de outorga, determinada porcentagem das arrecadações do operador.”
Mas, o fato de que cada estado um dos estados poderá licenciar as empresas do mesmo segmento, para a exploração da mesma atividade, por um percentual mais baixo e, por conseguinte, mais atrativo ao parceiro privado (o que, por si só, alteraria a estimativa de arrecadação já projetada pelo governo federal) pode trazer problemas para as pretensões da União.
Ela usa o exemplo do embate visto em agosto entre a Caixa Econômica Federal, que explora as loterias em âmbito federal, e a Loteria do Estado do Rio de Janeiro, autarquia criada na década de 1940 e em funcionamento desde então.
“Esta autarquia publicou edital de chamamento público a fim de credenciar interessados em explorar este serviço, incluída a modalidade de apostas de quota fixa. Nada que não tenha sido feito por outros estados da federação, não fosse um detalhe: o entendimento particular da Loteria do Rio de Janeiro, no sentido de que as apostas online dependerão de mera declaração no ato da aposta, de que ela está sendo realizada no estado do Rio de Janeiro, sem a necessidade de se verificar a sua geolocalização naquele momento”, escreve.
“Isso significa que um apostador localizado em Roraima poderá efetuar apostas esportivas valendo-se da Loteria do Rio de Janeiro apenas selecionando esta opção e dando ciência de que tal aposta será considerada como realizada no território do Rio de Janeiro. Na prática, isso cria uma concorrência que mina quaisquer estimativas de receitas elaboradas pela União e pelos próprios estados-membros.”
Anastasia também lembra que alguns municípios como Guarulhos e Belo Horizonte também pensam em instituir suas próprias loterias, situação que geraria ainda mais transtornos aos entes que, de fato, podem operar as loterias. Apesar de não deterem competência para este tipo de exploração, o tema deve gerar novas discussões jurídicas.
“Não se olvida, no entanto, que este serviço público tem contornos sui generis e, dadas suas peculiaridades, discussões como estas tendem a atrasar ainda mais as vantagens que poderiam advir da sua implantação adequada. A União está considerando a concorrência com os próprios estados quando estima eventual receita? Quais os limites de exploração por cada estado?”, termina a especialista.