Ao mesmo tempo em que o mercado de apostas esportivas cresce no Brasil, aumenta também a preocupação com os riscos de manipulação de resultados. O tema da integridade não passou despercebido no SBC Summit Rio 2024, evento que reuniu mais de quatro mil representantes do setor entre os dias 5 e 7 de março, no Rio de Janeiro (RJ).
A Sportradar, especializada em tecnologia, coleta e análise de dados esportivos, esteve com um stand no evento. Dias antes, a empresa havia lançado o relatório de integridade referente a 2023, apontando o Brasil como o país que mais teve casos suspeitos de manipulação no futebol.
A Yogonet conversou com Felippe Marchetti, gerente de parcerias de integridade da Sportadar, sobre a situação atual no Brasil e como enfrentar esse problema.
Há uma preocupação muito grande do setor com a questão de manipulação de resultados em esquemas de apostas. Como você vê o cenário de hoje no Brasil em termos de integridade?
A situação no Brasil ainda é complicada. Pelo segundo ano consecutivo, foi o país com o maior número de casos de manipulação global. A gente encontrou 109 casos suspeitos aqui no último ano, mas já foi um decréscimo de 29% com relação ao ano passado.
Então, apesar da situação seguir ruim, ela melhorou. Foi a primeira baixa desde 2020 nos números. E em 2020 tem aquela questão da pandemia que a gente teve muito menos jogos.
E tem uma curiosidade interessante sobre esses números do Brasil: de 109 casos que a gente encontrou, 94 foram em competições organizadas pelas federações estaduais e 15 em competições organizadas pela CBF.
O que isso mostra? Mostra que as competições que mais estão em risco são as menores, onde os atletas têm uma vulnerabilidade financeira muito maior e também tem um monitoramento mais deficitário no sentido de menos transmissões dos jogos e menos público nos estádios.
Então, acaba tendo menos olhos sobre esses eventos. Isso aí é também um atrativo para os manipuladores procurarem os atletas que estão nessas condições.
Você acha que a regulamentação tem potencial para reforçar a integridade no Brasil? Pelo que foi visto até agora, você identifica algum ponto que pode ajudar a coibir a manipulação de resultados?
A regulamentação é um passo muito importante, porque vai trazendo regras para os operadores e também o compartilhamento de informação. Quando um operador identifica algo suspeito no site dele, ele tem a obrigatoriedade de comunicar o governo federal.
Esse fluxo de informação entre todos os stakeholders é fundamental no combate, mas ele não resolve o problema de uma maneira efetiva e definitiva, eu diria, porque a gente sabe que 70% do mercado de apostas global acaba acontecendo na Ásia.
Um apostador que está, por exemplo, sentado lá em São Petersburgo, na Rússia, pode apostar num jogo do Campeonato Brasileiro da Série B, num site de apostas que está localizado em Curaçao, em Cingapura ou outro lugar. Então, a regulamentação em si acaba não resolvendo totalmente o problema, mas colabora no fluxo de informação entre todos os stakeholders nesse combate.
É fundamental que a gente consiga ter todas as pessoas relevantes envolvidas. Sozinho ninguém resolve. A gente precisa ter Sportradar, federações esportivas, CBF, governo federal, casas de apostas, todo mundo trabalhando junto para a gente conseguir reduzir o tamanho do problema no país.
Há quem reforce também a questão da educação dos próprios atletas, da conscientização. O que você pensa sobre isso?
Eu fiz meu doutorado e pós-doutorado sobre manipulação de resultados, então vou ser sempre a primeira pessoa a defender a importância da educação. Quando comecei na Sportradar, há seis meses, essa foi justamente nossa primeira medida.
Hoje, a gente está trabalhando com 12 federações do Brasil e com uma plataforma educacional de integridade, em que damos um treinamento mostrando para os atletas o que é a manipulação, quais os riscos de se envolver com os manipuladores, a relação que isso tem com o crime organizado internacional, as consequências desse tipo de prática, as formas de abordagem dos manipuladores.
Fechamos uma parceria com as nove federações do Nordeste trabalhando em conjunto, algo que foi inovador, de conseguir reunir nove federações com um objetivo em comum.
No início desse mês, a gente também anunciou um acordo com as três federações do Sul e também, separadamente, com a Federação de Minas. Só na questão da educação, a gente está trabalhando hoje com 13 federações, 12 com a plataforma educacional e uma com workshops de integridade.
Acho que é fundamental conseguir levar essa educação a todos os atletas e a gente vê a plataforma como uma medida mais eficaz. A gente consegue espalhar o conhecimento para o maior número de atores possível, no tempo mais rápido possível. E as federações têm o controle sobre quem preencheu através do CPF, do registro do atleta no vídeo e se o atleta terminou ou não o treinamento. Então, ele recebe um certificado no final de que ele concluiu essa certificação em integridade.
Não vai ter mais aquela desculpa de que o atleta manipulou porque ele não sabia das consequências, dos riscos e como funciona. A gente está levando o conhecimento primeiro para a proteção dos atletas e segundo para não ter esse argumento de que não sabiam do tamanho do mercado e dos riscos.
A gente conseguir dar mecanismos para os atletas reportarem de uma maneira segura e efetiva é um passo muito importante, porque sabemos que muitos atletas não confiam no sistema de maneira geral, nas federações ou na própria polícia.
Temos um aplicativo na Sportradar em que as pessoas podem reportar de maneira anônima e segura. E fica diretamente conectado com o nosso time de inteligência, ajudando a fazer um hot list de uma partida suspeita e ter olhos mais atentos a determinado jogo.