ENTENDA CONTEXTO POLÍTICO E PRÓXIMOS PASSOS

Projeto de lei que legaliza cassinos enfrenta forte oposição da bancada evangélica

Imagem: Agência Senado
11-06-2024
Tempo de leitura 6:48 min

Como informou o Yogonet ontem, dia 10 de junho, o projeto de lei (PL) que legaliza cassino (em resorts, estabelecimentos turísticos e fluviais), bingo e jogo do bicho passa por intensa disputa política na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado.

Pautado novamente para esta quarta-feira, 12 de junho, o PL 2.234/22 (antigo PL 442/91) tem relatoria favorável do senador Irajá Silvestre (PSD-TO) e o presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (União-AP), afirmou que o projeto será votado antes do recesso parlamentar, em 15 de julho – mas isso não garante que o projeto será avaliado amanhã, já que foi adiado por três vezes e sua discussão depende de diversas peças móveis no tabuleiro de xadrez da comissão. 

Leia também: Cresce no Senado o lobby para manter o jogo na ilegalidade

Caso seja aprovada, a proposta segue para o plenário do Senado e vai esperar ser pautada pelo presidente, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Até ser votada, pode receber emendas e terá um relator designado – provavelmente Irajá seguirá na função. A matéria já foi aprovada pela Câmara dos Deputados em 2022.


Senador Irajá Silvestre (imagem: Edilson Rodrigues/Agência Senado)

Se aprovada em plenário, segue para sanção do presidente da República. Caso haja alterações no texto neste estágio, o PL volta à Câmara para nova avaliação e votação. Em seguida, vai para sanção definitiva da presidência.

Oposição e "Voto Separado"

Mas para percorrer esse caminho, o PL 2.234/22 precisa antes passar pela resistência da bancada evangélica, que tem como maior expoente o senador Eduardo Girão (NOVO-CE). 

Leia também: Comissão de Segurança do Senado discutirá legalização dos cassinos em audiência

O editor do site especializado BNLData, Magnho José, teve acesso ao "Voto Separado" que o senador apresentou no dia 15 de maio na CCJ (leia o voto aqui) e fez uma análise do que classificou como "uma peça de ficção com erros grosseiros". Caso o PL seja negado na CCJ, este voto de Girão será analisado e tem o poder de arquivar a proposta, segundo Magnho.


Senador Eduardo Girão (imagem: Agência Senado)

Leia sua análise dos principais pontos abaixo: 

Lavagem de dinheiro e sonegação fiscal

Segundo o parlamentar, “os jogos de azar são um fenômeno extremamente prejudicial à sociedade, pois facilitam práticas, entre outras, como lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, evasão de receitas, corrupção de agentes públicos, turismo desqualificado (sexual), além de propiciarem ambiente propício ao surgimento da ludopatia (vício em jogo)”.

Aos fatos

Essa associação de lavagem de dinheiro e sonegação fiscal é mais uma forma encontrada pelos atores políticos opositores a legalização para justificar uma proibição anacrônica. O jogo não regulado agradece e segue normalmente em cada esquina sem gerar investimentos, empregos, tributos e sem proteção ao cidadão.

Do ponto de vista econômico, é praticamente impossível uma empresa de jogos cometer os crimes de sonegação fiscal e lavagem de dinheiro ao mesmo tempo. São dois crimes distintos com características diferentes: ou lava ou sonega. Conforme explicado no texto ‘Lavagem de dinheiro e sonegação fiscal em operação de jogo agride a lógica econômica’.

Custo social

Segundo Girão, “a legalização dos jogos de azar acarretará custos para a sociedade muito superiores a qualquer benefício. Para além disso, os benefícios serão privados para as casas de apostas, enquanto os custos serão pagos por toda a sociedade brasileira”.

Aos fatos

Parece que o senador vive em outro país. O jogo no Brasil não vai começar depois da legalização deste setor pelo Congresso Nacional. No Brasil já existe uma grande oferta de jogos não regulados e, atualmente, o setor público é que patrocina o tratamento dos jogadores compulsivos através dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).

Além disso, o projeto prevê que 4% da Cide-Jogos serão destinados para o financiamento dos programas e ações de saúde relacionados a ludopatia.

Opinião das instituições

Segundo o texto do Voto em Separado, “representantes de instituições de enorme credibilidade como a Polícia Federal, Receita Federal, COAF e Procuradoria Geral da República já se manifestaram publicamente no sentido de afirmar que o Brasil não possui ferramentas teológicas [sic] que garantam uma eficiente fiscalização de uma atividade em que circula tanto dinheiro”.

Aos fatos

Outra distorção do senador é citar antigas manifestações dos órgãos de controle e ignorar a audiência na Procuradoria-Geral da República, realizada no dia 20 de fevereiro de 2020, quando Eduardo Girão – acompanhado do senador Styvenson Valentim (Podemos-RN) e do deputado federal Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) –, foi recebido pelo procurador-geral da República. Durante o encontro, Augusto Aras destacou que a questão da legalização é política e não jurídica, e que eventual atuação do MPF nesse sentido somente será possível em caso de a proposta, após ser aprovada pelo Parlamento, apresentar alguma inconstitucionalidade (veja a reportagem no site da PGR). Opositores insistem nos falsos argumentos que os órgãos de controles são contrários a legalização dos jogos e citam a PGR, COAF, Receita Federal e Polícia Federal.

Tratados internacionais de prevenção à lavagem de dinheiro

O parlamentar cita que o texto não considera “as implicações internacionais da legalização dos jogos de azar, em especial os compromissos assumidos pelo Brasil em tratados internacionais de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo, como as recomendações do Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI)” e que o “texto do PL 2234/2022 que veio da Câmara dos Deputados e foi acolhido na íntegra pelo relator nessa CCJ, não se adequa a esses compromissos internacionais o que pode incidir em sanções ou restrições ao país no cenário econômico global”.

Aos fatos

O Grupo de Trabalho do Marco Regulatório dos Jogos, criado pelo presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), para atualizar a proposta que, em 2016, teve o texto aprovado por uma Comissão Especial teve o cuidado de se reunir com o procurador-geral da República, Augusto Aras, e com representantes do Ministério da Economia, Receita Federal, Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e Polícia Federal. Nesses encontros, foram colhidos importantes contribuições que ajudaram a produzir um texto moderno e com alternativas para evitar que as atividades que compõem esse mercado sejam usadas pelo crime organizado.

Após a reunião com o COAF foram acatadas as principais sugestões técnicas e as recomendações adotadas pelo Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (GAFI) como identificar o apostador através do CPF, uso de cashless, pagamento através de PIX, notificação obrigatória ao COAF de prêmios superiores a R$ 10 mil e a manutenção dos registros das operações.

Pelo ordenamento jurídico brasileiro uma empresa de jogos teria as alíquotas de uma empresa prestadora de serviços (IRPJ, PIS, Cofins, CSLL e ISS/municipal) e a este valor seria acrescido o ‘imposto do jogo’ na tributação desta atividade. Portanto, lavar dinheiro em jogo, além de caro, é extremamente arriscado devido aos controles impostos pelos órgãos reguladores.

A bobagem da regra 3:1

O parlamentar retoma a bobagem que “a legalização dos jogos de azar resultará em consideráveis custos sociais. Earl Grinolls, economista e professor da Universidade de Baylor (EUA), apontou que a cada 1 dólar arrecadado com a prática dos jogos de azar, 3 dólares são gastos com custos do poder públicos.”

Na verdade, este discurso do senador Eduardo Girão se baseia nas teses equivocadas do livro da década de 90 “Gambling in America – Costs and Benefits”, de autoria do professor de Economia, Earl Grinols, que para cada dólar arrecadado com os jogos, três são gastos com problemas sociais. Esta teoria é uma bobagem e desonesta, pois não há evidência sobre a regra 3:1. “Se fossem verdadeiras, as grandes nações já teriam banidos os jogos do seu sistema jurídico. Os especialistas que criaram esta e outras ‘evidências’ foram financiados nos anos 90 por igrejas e movimentos anti-jogo dos EUA”, comentou um professor da Universidade de Las Vegas ao BNLData.

MP 168/2004 foi aprovada e transformada em lei

Seria possível contestar todas as informações contidas no documento, mas a principal que desqualifica o relatório do senador Eduardo Girão é quando afirma que “cabe lembrar que o fechamento dos bingos em 2004 através de Medida Provisória nº 168/2004 de iniciativa do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, convertida na Lei nº 10.846/2004, decorreu de uma série de investigações e denúncias que apontavam para a existência de uma estreita relação entre os estabelecimentos de bingos e a prática de atos de corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas, evidenciando um cenário de ilegalidade e imoralidade que demandava uma intervenção estatal urgente e eficaz”.

Aos fatos

Na verdade, a origem do problema foi através da publicação pela Revista Época de um vídeo com flagrante em que o ex-assessor da Casa Civil, Waldomiro Diniz negociava propina com um empresário do ramo de jogos.

A MP 168/04, foi decidida, redigida e assinada entre às 10h e 23h da sexta-feira de Carnaval, dia 20 de fevereiro de 2004 e publicada em uma Edição Extra do Diário Oficial da União, num ato claro para conter a crise que se abatia sobre o Governo Federal, mais especificamente sobre a Casa Civil.

Bastava uma pesquisa na Internet para saber que depois de aprovada na Câmara dos Deputados, o Senado Federal rejeitou no dia 5 de maio de 2004 a MP 168/04 – por 32 votos contra 31 – por entender que a MP não atendia os pressupostos constitucionais de relevância e urgência, retirando assim a proibição imposta pela medida provisória.

Além disso, outro erro grosseiro comprova a incompetência em manipular a informação, já que citada Lei nº 10.846/2004 dispõe sobre o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior.

Este dado mostra que estamos presenciando uma inverdade patrocinada pelo parlamentar  – que sempre pontua suas falas com “o compromisso com a verdade” -, com o objetivo de garantir que os jogos permaneçam proibidos e na ilegalidade. Lembrando que a ‘indústria da proibição’ é uma atividade muito lucrativa e é preocupante que atores políticos, entidades, evangélicos, católicos e, até mesmo, uma frente parlamentar contrária a legalização dos jogos de azar no Brasil liderem o lobby para manter esta atividade na clandestinidade.

A oposição ecumênica que critica a possibilidade de legalização dos jogos deveria refletir que os benefícios positivos do jogo legal superam em muito as desvantagens propostas por qualquer pessoa ou grupo contra esta atividade.

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