Presidente da Comissão de Direito dos Jogos da OAB SP

Luiz Felipe Santoro: "Maior mérito da regulamentação é o amplo debate com o segmento"

29-07-2024
Tempo de leitura 5:57 min

Neste mês de julho, o advogado Luiz Felipe Santoro tomou posse como presidente da Comissão Especial de Direito dos Jogos, Apostas e do Jogo Responsável da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB SP).

Ex-diretor jurídico da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Santoro é formado em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), tem MBA em Football Industries pela Universidade de Liverpool, na Inglaterra, e um diploma de Football Law pela FIFA.

Em entrevista exclusiva ao Yogonet, Santoro comentou sobre a criação da comissão, a situação do setor de jogos e apostas no Brasil e afirmou que as portarias já publicadas indicam que o país está “no caminho certo, pois promovem uma grande depuração no mercado, trazendo segurança jurídica”.


Imagem: reprodução/CBF

Confira abaixo a entrevista:

Você poderia dar mais detalhes de quais serão suas atribuições nessa nova posição de presidente da Comissão Especial de Direito dos Jogos, Apostas e do Jogo Responsável da OAB de São Paulo?

Por iniciativa da presidente Patricia Vanzolini e do vice-presidente Leonardo Sica, a OAB SP resolveu criar, no final do último mês de junho, a Comissão de Direito dos Jogos, Apostas e do Jogo Responsável, por ser um tema de extremo interesse à advocacia, que envolve também a sociedade civil e o poder público.

Estamos compondo uma comissão bastante plural, com profissionais de destaque no segmento e colegas que ainda não atuam neste mercado, com o objetivo de promover estudos e debates sobre a matéria, a fim de amparar e fundamentar a proposição e adoção de ações e medidas legislativas acerca do assunto. Minha atribuição principal será coordenar os trabalhos da comissão, ao lado das brilhantes advogadas Simone Vicentini (vice-presidente) e Mariana Chamelette (secretária-geral). 

Em dezembro de 2023, tivemos a sanção da lei 14.790, que regulamenta as apostas de quota fixa. Nos últimos meses, tivemos também a publicação de portarias pela Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda. Como você avalia a regulamentação até agora? O Brasil está no caminho certo ou há pontos que precisam ser corrigidos ou aprimorados?

Em primeiro lugar, penso ser importante destacar que a regulamentação que começou com meus colegas de comissão José Francisco Manssur e Simone Vicentini segue sendo conduzida de forma bastante diligente pelo secretário Regis Dudena e toda a equipe da Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda.

O maior mérito da regulamentação, a meu ver, é o amplo debate com o segmento. Pelas portarias já publicadas, entendo estarmos no caminho certo, pois promovem uma grande depuração no mercado, trazendo segurança jurídica, mas ainda faltam importantes portarias a serem editadas.

Tenho uma preocupação especial com as questões relacionadas à proteção do apostador, tanto do ponto de vista regulatório, com o controle e a repressão a plataformas ilegais que lesam o consumidor, quanto do ponto de vista de ações e medidas efetivas que promovam o jogo responsável, além da prevenção e tratamento ao que a Classificação Internacional de Doenças chama hoje de "transtorno do jogo" (anteriormente referido como jogo patológico e comumente conhecido como ludopatia).

Temos no Brasil um expoente internacionalmente reconhecido nessa área, que é o professor Hermano Tavares, do Instituto de Psiquiatria da USP [Universidade de São Paulo], cujo trabalho é uma de nossas referências. 

A partir de agosto, deve ser votado no plenário do Senado o projeto de lei 2.234/22, que legaliza cassinos, bingos e jogo do bicho. A proposta enfrenta resistência de alguns setores da política e da sociedade, especialmente da bancada evangélica. Você acredita que a legalização trará efeitos positivos para o Brasil? Essa legalização, como está redigida no texto, tem de fato potencial para tirar esses jogos da clandestinidade e, ao mesmo tempo, evitar problemas como lavagem de dinheiro e ludopatia? 

Penso ser necessária uma reflexão mais aprofundada sobre o tema, sem que isso implique em retardar sua votação. Acompanhei a audiência pública promovida pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal no último mês de maio, na qual foram expostos consistentes argumentos tanto contra quanto a favor do PL 2.234/22.

Se por um lado é inegável que a legalização de tais atividades gerará emprego, renda, arrecadação e mitigará a clandestinidade (e, sob essa ótica, o mercado regulado tende a trazer muito mais segurança - não apenas jurídica - a todo o ambiente de jogos e apostas), por outro lado temos que entender se o país está suficientemente maduro e preparado para lidar com as consequências decorrentes, inclusive o combate à lavagem de capitais, a exemplo das normas estabelecidas na Portaria SPA/MF n. 1.143, de 11/07/24, se entendermos que estamos prontos, vamos em frente. 

Quanto à ludopatia, como mencionei anteriormente, é um problema já existente em relação aos jogos e apostas online, demandando imediata atenção e enfrentamento. Iremos debater na Comissão políticas públicas que poderão ser implementadas quanto à matéria. 

Há um embate no Rio de Janeiro entre a Loterj e casas de apostas que não adquiriram a licença estadual e, por isso, estão tendo seus sites bloqueados. Do ponto de vista legal, como você vê essa questão? Os estados têm autonomia para cobrar uma outorga própria e obrigar as operadoras a adquiri-la ao mesmo tempo em que existe a possibilidade de outorga nacional pelo Ministério da Fazenda? 

Trata-se de aspecto que igualmente comporta argumentos para amparar os dois lados antagônicos. As teses jurídicas estão sendo debatidas junto ao Poder Judiciário
. Tenho um posicionamento pessoal extremamente consolidado sobre o assunto, mas por não ter sido objeto de discussão com meus pares, prefiro não externá-lo.

Um assunto que está em alta no momento são as denúncias de manipulações de resultados, inclusive com uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) específica para isso no Senado. Na sua opinião, qual a melhor maneira de coibir a prática e qual deve ser o papel da CBF, das federações estaduais e dos clubes no combate a esse problema que afeta o setor de apostas?

A manipulação de resultados é um problema grave, de incidência mundial, que também vem afetando o esporte brasileiro. Todos, exceto os manipuladores, são prejudicados com a prática, inclusive as operadoras de apostas.

Não existe solução fácil, mas a melhor maneira de se coibir, na minha opinião, é seguir a finalidade e objetivos da Convenção de Macolin [uma aliança internacional de enfrentamento à manipulação de resultados]: "prevenir, detectar e sancionar".

A CBF, federações estaduais, clubes e a Justiça Desportiva têm um papel fundamental no combate a esse problema, mediante a adoção de programas de compliance visando à segurança, governança e integridade do esporte. Várias medidas nesse sentido já vêm sendo implementadas com sucesso e prova disso são justamente as tentativas de manipulação de resultados detectadas e punidas. Nossos mecanismos de detecção e sanção têm funcionado, mas ainda podemos aprimorar as ações preventivas.

No âmbito do Governo Federal, dando cumprimento à Portaria Interministerial MF/MESP/AGU n. 28, de 22/05/24, foi criada no último dia 11/07/24, por meio do Decreto n. 12.110, a Secretaria Nacional de Apostas Esportivas e Desenvolvimento Econômico do Esporte, que terá uma Diretoria de Integridade em Apostas Esportivas encarregada do tema.

Já sob a ótica legal, a Lei Geral do Esporte estabeleceu em seu art. 177 que "a prevenção e o combate à manipulação de resultados esportivos têm por objetivo afastar a possibilidade de conluio intencional, ato ou omissão que visem a alteração indevida do resultado ou do curso de competição esportiva, atentando contra a imprevisibilidade da competição, prova ou partida esportiva com vistas à obtenção de benefício indevido para si ou para outros".

E o respectivo parágrafo único complementa: "a administração pública federal estabelecerá parcerias com as organizações esportivas que administram e regulam a prática do esporte para promover mecanismos de monitoramento das competições esportivas com vistas a possibilitar a prevenção e o combate à manipulação de resultados esportivos". 

Além disso, a manipulação de resultado esportivo, que já era um crime tipificado no Estatuto do Torcedor, segue recebendo o mesmo tratamento nos arts. 198 a 200 da Lei Geral do Esporte.

Caso queira acrescentar algo que não foi perguntado, fique à vontade.

Apenas registrar meu agradecimento pelo interesse por nossa Comissão, cuja criação foi saudada não apenas no Brasil, mas também pela comunidade internacional acadêmica e profissional.

Além de inúmeras manifestações de importantes figuras do mercado corporativo, recebemos congratulações de destacados professores e autoridades da sociedade civil organizada, de instituições como International Gaming Institute e International Center for Gaming Regulation da UNLV (University of Nevada, Las Vegas), International Betting Integrity Association (IBIA), International Center for Responsible Gaming (ICRG), National Council on Problem Gaming (NCPG), e Centro do Jogo Responsável/Observatório do Jogo Remoto, de Portugal. Agradecemos publicamente a estas e todas as demais instituições e profissionais que nos felicitaram pela iniciativa da OAB SP

O entusiasmo com que nossa Comissão foi acolhida redobra nossa responsabilidade e nossa disposição em fazer um grande trabalho neste mercado, em prol não apenas da advocacia, mas também de toda a sociedade brasileira.

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