O Brasil precisa acelerar e ampliar a regulação das apostas esportivas, apontou o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) em relatório antecipado à Folha de S.Paulo. Segundo o órgão da ONU, o foco excessivo em taxação tem deixado de lado aspectos fundamentais para proteger a saúde financeira e social dos apostadores e mitigar o impacto sobre a desigualdade no país.
O mercado global de apostas online deve movimentar entre US$ 80 bilhões (R$ 394 bilhões) e US$ 110 bilhões (R$ 542 bilhões) em 2024, e sua rápida expansão tem levantado preocupações em relação aos efeitos negativos sobre populações vulneráveis. "O desenvolvimento econômico, mesmo diante da perspectiva de aumento de arrecadação, tende a ser impactado negativamente se ações adicionais não forem tomadas", alerta o relatório.
O Pnud destaca que as apostas, muitas vezes feitas sob a falsa promessa de ganhos financeiros, estariam levando famílias a reduzir o consumo de bens essenciais. Além disso, o impacto vai além das finanças pessoais: há evidências preliminares de que jovens estariam adiando o ingresso em cursos universitários para usar os recursos em jogos de azar.
"Se confirmado, este movimento pode afetar não apenas as perspectivas de curto prazo, mas também o crescimento de longo prazo do país, ao comprometer o nível educacional e a produtividade", alerta o documento.
O órgão propõe uma regulação ampla que inclua medidas como a coleta de dados, limites para publicidade e proteção à saúde mental dos apostadores.
O relatório destaca o Reino Unido como exemplo de regulação eficaz. No país, as apostas esportivas movimentam cerca de US$ 18 bilhões por ano e são supervisionadas pela Gambling Commission. Medidas como restrições ao uso de cartões de crédito, limites à publicidade e licenciamento de plataformas têm garantido maior transparência e segurança para os usuários.
Além disso, o Reino Unido permite que apostadores se excluam voluntariamente das plataformas por períodos de seis meses ou mais. A arrecadação anual do governo com impostos sobre o setor chega a US$ 4 bilhões (R$ 19,7 bilhões), e há discussões para aumentar ainda mais os tributos sobre lucros das operadoras online, atualmente entre 15% e 21%.
Outros países da Europa, como a Itália, adotaram regras rigorosas, como a proibição de publicidade de jogos de azar desde 2019. As restrições italianas também incluem o veto a patrocínios esportivos, o que ajudou a reduzir danos sociais e atividades criminosas associadas às apostas.
O relatório do Pnud, no entanto, alerta para os perigos de uma abordagem proibitiva. A Coreia do Sul, que adota uma das regulações mais rígidas da Ásia, enfrenta o crescimento do mercado ilegal de apostas online.
"Eu não tenho visto nenhum país que tenha proibido que tenha sido um êxito. Se você proíbe, não tem mecanismos mais sofisticados para monitorar ou controlar o que está crescendo", afirma Claudio Providas, representante do Pnud no Brasil.
Segundo o órgão, países com regulação limitada ou inexistente sofrem com a proliferação de operadores ilegais, o que aumenta a vulnerabilidade dos usuários e reduz a arrecadação pública.
No Brasil, o Pnud aponta que ainda há espaço para ajustes, incluindo iniciativas integradas com o Ministério da Saúde para tratar problemas de saúde associados ao vício em jogos.