Presidente da Comissão de Direito dos Jogos da OAB SP

Luiz Felipe Santoro: "Mercado regulado poderá mostrar que grande parte das críticas formuladas em 2024 não tinham consistência"

23-12-2024
Tempo de leitura 6:29 min

O ano de 2024 foi positivo para o setor de apostas e jogos, mas ainda há um longo caminho no enfrentamento às plataformas ilegais. É o que afirma Luiz Felipe Santoro,  presidente da Comissão Especial de Direito dos Jogos, Apostas e do Jogo Responsável da Ordem dos Advogados do Brasil ‒ Seção São Paulo (OAB SP).

“Desde as minhas primeiras manifestações sobre este tema, inclusive ao Yogonet, sempre demonstrei preocupação com a adoção de medidas e políticas de jogo responsável, que evitem o endividamento desenfreado, bem como com a prevenção e tratamento do transtorno do jogo, comumente chamado de ludopatia. Penso ser esta uma área em que ainda temos muito a evoluir”, disse Santoro, em nova entrevista exclusiva ao Yogonet.

Santoro comentou ainda as discussões sobre o setor que estão em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF), a legalização dos cassinos e os planos para 2025 da comissão que ele preside na OAB SP. 

Confira abaixo a íntegra da entrevista:

Em 2024, o setor de jogos e apostas online passou por um período importante por conta do avanço na regulamentação, mais especificamente em relação às portarias publicadas. No entanto, também foi um ano em que o segmento enfrentou muitas críticas na imprensa e no meio político, com a Operação Integration tendo ampla repercussão nacional e duas CPIs instaladas no Senado. Qual o balanço que você faz de 2024 e como você imagina 2025, o primeiro ano de mercado regulado? Acredita que a legislação atual será suficiente para coibir as externalidades negativas da atividade?

Vejo o balanço de 2024 para o setor de jogos e apostas online como bastante positivo. Finalmente saiu do papel a regulamentação prometida, inclusive por lei, desde 2018. Ao legalizar as apostas de quota em fixa, em 2018, o legislador estabeleceu um máximo de quatro anos para que a regulamentação estivesse concluída. 

Ainda que com um certo atraso, 2024 nos trouxe a tão esperada regulamentação. Aguardo 2025 com muito entusiasmo. Na minha opinião, o primeiro ano de mercado regulado poderá mostrar à sociedade que grande parte das críticas formuladas durante 2024 não tinham consistência.

Isso porque tomavam como base as práticas atuais do mercado e, principalmente, do mercado ilegal, sem considerar que a regulamentação propriamente dita somente entrará em vigor em 01 de janeiro de 2025. 

Aquela realidade em que crianças e adolescentes jogam livremente e CPFs de pessoas falecidas são utilizados para apostas não existe no mercado regulado, com reconhecimento facial, prova de vida, etc. Acredito que a legislação e normas que entrarão em vigência tenham dado o pontapé inicial na regulamentação do mercado, sem prejuízo de serem aprimoradas e aperfeiçoadas com o tempo.

Ainda teremos um longo caminho no combate às plataformas ilegais e fraudulentas, que tanto mal trazem aos consumidores e ao próprio setor. Desde as minhas primeiras manifestações sobre este tema, inclusive ao Yogonet, sempre demonstrei preocupação com a adoção de medidas e políticas de jogo responsável, que evitem o endividamento desenfreado, bem como com a prevenção e tratamento do transtorno do jogo, comumente chamado de ludopatia. Penso ser esta uma área em que ainda temos muito a evoluir, pois somente com tais práticas conseguiremos estabelecer um ambiente saudável e socialmente sustentável.

O Supremo Tribunal Federal (STF) deve concluir, em 2025, o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7721, apresentada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Você acredita que a lei 14.790/2023 poderia ser, de fato, declarada inconstitucional pelo STF? Como advogado, você enxerga inconstitucionalidade no texto que regulamenta as apostas de quota fixa?

Não vislumbro inconstitucionalidade na Lei 14.790/2023, tampouco na Lei 13.756/2018. O que vejo são segmentos descontentes com o surgimento e amplo desenvolvimento do setor de jogos e apostas online. Se por um lado a preocupação com o jogo problemático é extremamente relevante e necessária, por outro lado interesses comerciais conflitantes não deveriam ser fundamento para o combate ao setor.

Temos que separar muito bem as críticas que o setor recebe e entender os reais interesses de quem as formula. As críticas legitimas devem ser absorvidas e consideradas, pois auxiliam o próprio desenvolvimento responsável do setor, ao passo que as críticas de caráter puramente comercial devem ser relevadas.

Como pude expor superficialmente na resposta acima, grande parte dos argumentos utilizados na ADI em questão refletem as agruras do mercado desregulamentado e dos sites e plataformas piratas, não considerando a efetiva regulamentação que passará a vigorar a partir de 01 de janeiro de 2025.

Outra questão que também esteve presente em 2024 e deve seguir em 2025 é a territorialidade. Há, inclusive, uma ação (ACO 3696) sobre isso no STF. Na sua visão, uma casa de apostas licenciada no Rio de Janeiro, por exemplo, tem direito legal de ofertar seus serviços para apostadores de outros estados?

Essa é uma discussão mais complexa. Vejo argumentos até certo ponto consistentes para os dois lados. Me parece que a intenção do legislador foi a de permitir a exploração de licenças estudais com atuação geográfica e jurisdicional limitada à respectiva unidade da federação.

Isso está muito claro na redação do caput e do § 1º do art. 35-A, introduzido na Lei 13.756/2018 pelo art. 51 da Lei 14.790/2023: “Art. 35-A. Os Estados e o Distrito Federal são autorizados a explorar, no âmbito de seus territórios, apenas as modalidades lotéricas previstas na legislação federal. § 1º A exploração de loterias pelos Estados e pelo Distrito Federal poderá ser efetuada mediante concessão, permissão ou autorização ou diretamente, conforme regulamentação própria, observada a legislação federal.

Está muito claro: “no âmbito de seus territórios” e “observada a legislação federal”. Ocorre que o §8º deste mesmo art. 35-A preserva as autorizações promovidas pelos Estados e pelo Distrito Federal a partir de procedimentos iniciados antes da publicação da MP 1182/2023, independentemente da data da efetiva expedição da autorização. Assim, pende de decisão judicial a discussão de se o edital da LOTERJ foi publicado antes da publicação da MP 1182/2023 e, ainda que tenha sido, se pode se sobrepor ao pacto federativo.

Em 2025, teremos também a continuidade da discussão sobre o projeto de lei 2.234/22, que legaliza cassinos, bingos e jogo do bicho, cuja votação no plenário do Senado acabou adiada. O fato é que o Brasil é um dos poucos países entre as grandes economias do mundo a não explorar esse mercado de jogos físicos. Além da questão religiosa, você acredita que há outros fatores que tornam a legalização dos cassinos um assunto tão polêmico e complicado no país?

Na minha visão, além da questão religiosa, pesou contra o PL 2234/22 o ataque dirigido ao mercado desregulado dos jogos e apostas online. Todo o clamor popular, parte dele fomentado por informações inverídicas, inviabilizou um debate técnico e consciente a respeito do PL 2234/22.

Repita-se: a regulamentação do mercado serve para combater ou ao menos dificultar a lavagem de dinheiro, serve para impedir que crianças e adolescentes apostem, serve para proteger o consumidor contra sites e plataformas fraudulentas, serve para evitar o hiper endividamento e serve, principalmente, para viabilizar recursos e coordenar esforços públicos e privados para a prevenção do jogo problemático e tratamento do transtorno do jogo.

Como você avalia os primeiros meses de trabalho na presidência da Comissão de Direito dos Jogos, Apostas e do Jogo Responsável da OAB de São Paulo? Em novembro de 2024, foi organizado um simpósio com a presença do secretário de Prêmios e Apostas, Regis Dudena, e outros representantes do setor. Vocês têm planos de fazer mais eventos como esse em 2025?

Avalio de uma forma muito promissora. Em pouco tempo de trabalho, visto que a Comissão foi constituída no segundo semestre de 2024, reunimos uma centena de advogadas e advogados que já trabalham diretamente com o tema ou por este se interessam. Num ambiente eclético, democrático e plural, pudemos discutir o segmento por meio de diversos pontos de vista e sem nenhum tabu, prevalecendo o absoluto respeito pelas opiniões contrárias.

Organizamos no mês de novembro o I Simpósio de Direito dos Jogos, Apostas e do Jogo Responsável da OAB SP, que foi um grande sucesso. O secretário de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, Dr. Regis Dudena, e todos os demais debatedores muito nos honraram com suas presenças. A quantidade de participantes no auditório surpreendeu a nós próprios.

Para o ano que vem, além da reedição do simpósio, que pretendemos fixar como evento permanente na agenda da OAB SP, organizaremos eventos com as comissões afins. Já estão alinhados eventos com a Comissão de Direito Desportivo, sobre integridade das competições e manipulação de resultados, e com a Comissão de Mídia, Entretenimento e Cultura, sobre publicidade responsável. Pretendo interagir também com a Comissão de Direito do Consumidor para a realização de uma jornada sobre jogo responsável e proteção do jogador/apostador consumidor.

Caso queira acrescentar algo que não foi perguntado, fique à vontade.

Gostaria de deixar um profundo agradecimento às advogadas e advogados que compõem a Comissão, sem os quais a mesma não teria razão de existir. Queria também registrar um agradecimento especial à Presidente da OAB SP, Dra. Patricia Vanzolini, não apenas por ter criado a Comissão, mas principalmente pelo brilhante trabalho desenvolvido em defesa da advocacia paulista. Desejo a ela ainda mais sucesso agora como Conselheira Federal da OAB. Estendo este agradecimento ao Presidente eleito Dr. Leonardo Sica, que na condição de Vice-Presidente da gestão atual sempre acreditou que esta seria uma temática importante a merecer uma Comissão Especial. Desejo a ele e à Vice-Presidente Dra. Daniela Magalhães muito êxito à frente de nossa Secional São Paulo.

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