A manipulação de resultados representa a mais grave crise que o futebol brasileiro enfrenta desde o final do século XIX e início do século XX, quando surgiram os primeiros clubes. É o que afirma José Francisco Manssur, advogado e ex-assessor do Ministério da Fazenda que conduziu o processo de regulamentação das bets dentro do governo federal até fevereiro de 2024, quando deixou a pasta.
Em entrevista ao jornalista Marcel Rizzo, do Estadão, ele sustenta que os recentes escândalos envolvendo jogadores brasileiros mexem com a confiança no esporte.
“Quando você vai ao estádio e ouve uma criança perguntando ao pai se o jogador quis fazer isso mesmo ou se ele foi pago por alguma questão de aposta, é horrível. Isso começa a minar a confiança das gerações que vão vir depois da gente”, disse Mansur.
Um caso recente é o do atacante Bruno Henrique, do Flamengo, indiciado pela Polícia Federal (PF) por supostamente forçar cartão amarelo para beneficiar apostadores do seu círculo próximo.
Já o meia Lucas Paquetá, do West Ham, aguarda julgamento na Inglaterra por suspeitas de ter provocado faltas propositalmente para receber cartão amarelo e favorecer conhecidos que apostaram que isso aconteceria.
Apesar de mostrar preocupação com as denúncias em destaque na mídia, Manssur faz a ressalva de que, historicamente, nem toda manipulação está ligada a apostas: há casos em que a corrupção tem relação com questões internas da entidade que organiza o campeonato, por exemplo. Ele destaca ainda a importância da regulamentação das bets e da atuação do governo no enfrentamento ao problema.
“A SPA [a Secretaria de Prêmios e Apostas] e o Ministério do Esporte têm convênios hoje com empresas como a Sportradar [que faz monitoramento]. O governo tem uma característica diferente das federações e confederações na possibilidade de apurar isso, porque, com o mercado regulado, ele centraliza o movimento das apostas. A informação está centralizada no governo”, afirma Manssur na entrevista.
“Para você ter um caso de manipulação de resultado, você precisa casar as duas situações. Primeiro, tem que identificar uma aposta suspeita. Se você identificou ali uma aposta de R$ 250 mil em um cartão amarelo, em um jogo da segunda divisão de um campeonato estadual, você tem que casar isso com o comportamento do atleta, que é exatamente o que a gente vê nesses casos”, continua Manssur.
De acordo com o ex-assessor, o governo teria a capacidade atuar de maneira de intimar os operadores sobre apostas suspeitas com o jogo ainda em andamento ou antes mesmo do início. “Então, tira [o mercado de aposta] do card e vamos acompanhar o comportamento do atleta dentro de campo”, diz. O mais comum, no entanto, é que as denúncias só sejam feitas após a partida, ressalva Manssur.
Queda de casos
Apesar da crescente cobertura midiática sobre manipulação de resultados envolvendo apostas, houve queda no número de casos suspeitos no Brasil entre 2023 e 2024, segundo relatório da Sportradar.
O futebol brasileiro viu uma queda expressiva de 48%. Foram 57 jogos suspeitos registrados em 2024, contra 110 no ano anterior. Como resultado, o Brasil deixou de ser o país com o maior número de partidas suspeitas no futebol.
No ano passado, a Sportradar monitorou mais de 850 mil partidas em 70 modalidades esportivas ao redor do mundo, identificando 1.108 partidas suspeitas. Trata-se de uma redução de 17% em comparação a 2023.